Carlos de Koseritz (Dessau, Alemanha, 7 de junho de 1830 — Porto Alegre, RS, 30 de maio de 1890)

 

Alemão de nascimento, veio para o Rio Grande do Sul ainda jovem. Em 1851, Koseritz chega ao Rio de Janeiro, como canhoneiro do 2º Regimento de Artilharia (CESAR, 1960, p. 173), ingressando na legião de estrangeiros que o governo brasileiro organizou para combater o ditador argentino Rosas (OBERACKER JR., 1961, p. 21) e, após ser enviado para trabalhar em um quartel em Rio Grande, deserta, em 1852, refugiando-se em Pelotas.

Nessa cidade, abre uma tipografia intitulada Tipografia Comercial, conforme anúncio do jornal O Brado do Sul, de 15 de junho de 1859, e publica seu primeiro livro – Resumo de História Universal – pela tipografia de Luís José de Campos, em 1856 “para uso dos meus alunos no Colégio ‘União’” a fim de suprir também “a extraordinária falta que faz aos mais estabelecimentos da província, um compêndio qualquer de História Universal”, no anseio de “ajudar aos respectivos Senhores Professores na sua, mais que árdua tarefa de ensinar a História Universal sem compêndio português algum” (1856, p. 3), onde há o intuito de colaborar para o desenvolvimento da instrução na cidade.

Ainda em Pelotas, Koseritz publica um jornal de anúncios, do qual encontramos apenas um exemplar na Biblioteca Pública Pelotense, do dia 1º de março de 1859. Também escreve dramas para serem apresentados no teatro local, como Inês, Nani (outros críticos citam como Nini) e Clara, todos sem exemplares conhecidos atualmente. A respeito dos dramas, encontramos apenas dois anúncios no jornal O Brado do Sul: o primeiro, publicado em 29 de março de 1859, trata de “dramas originais brasileiros”, de Carlos de Koseritz, referência ao apelo nacional do Romantismo; Clara, descrito como “drama rio-grandense” que se passa “nessa província no ano de 1829” e Inês, “drama histórico brasileiro, a cena passa-se na província da Bahia no ano de 1613” (O BRADO DO SUL, 29 mar. 1859, p. 4); e outro mais resumido de 17 de junho de 1860 que trata da venda de Clara: drama trágico rio-grandense de Carlos de Koseritz, pela tipografia Brado do Sul.
Nesse sítio, Koseritz principia também sua carreira jornalística, trabalhando na redação de O Noticiador e fundando, em parceria com Domingos José de Almeida, O Brado do Sulem 1858. Envolve-se em questões políticas ao atuar em oposição ao governo e a Isidoro Paulo de Oliveira, professor do Colégio União e redator do jornal O Noticiador (MAGALHÃES, 1993, p. 247), sendo inclusive espancado por ser redator – ilegalmente, já que é estrangeiro – do jornal O Brado do Sul.

Não localizamos no acervo da Biblioteca Nacional nenhum exemplar do ano de 1858, o que poderia clarificar as informações a respeito do atentado e da responsabilidade do Brado do Sul. Pesquisamos o ano de 1859, no qual não encontramos referências a esses fatos, porém, já nesse ano, o jornal era de responsabilidade de Domingos José de Almeida, informação essa exposta em letras garrafais na primeira página do periódico. Entretanto, no jornal de 30 de março de 1860, há uma correspondência de Domingos a Koseritz, publicada para esclarecimento de polêmicas entre os jornais de Rio Grande e de Pelotas, o que indica que, nesse período, apesar de transcorridos dois anos do processo, Koseritz ainda fosse redator do Brado.

No acervo da Biblioteca Nacional, localizamos alguns exemplares dos anos de 1859, 1860 e 1861 do Jornal O Brado do Sul, com os quais conseguimos vislumbrar algumas dessas polêmicas. No Brado do Sul de 1859 não encontramos, no entanto, polêmicas envolvendo o nome de Koseritz. Grande parte do noticiário trata das eleições para a Assembleia Provincial, além de transcrever relatórios da Assembleia Legislativa Provincial, mas há algumas discussões entre o periódico e O Noticiador como ocorre, por exemplo, em 25 de dezembro de 1859, quando o Brado defende o médico Dr. João Batista Cortier de acusações d’O Noticiador.

O noticiário, de 29 de fevereiro de 1860, trata de ofensas e calúnias feitas pelo Isidoro d’O Noticiador a Carlos de Koseritz, sendo que a vítima já havia procurado as autoridades a fim de que o responsável pelo jornal se manifestasse e assinasse o processo assumindo a responsabilidade pelo periódico. Como no ato da intimação não foi localizado o editor da folha, o impressor, Sebastião Carneiro da Fontoura, foi intimado a comparecer à audiência, que estava marcada para o mesmo dia, às 10 horas da manhã, devendo apresentar o autógrafo referente à responsabilidade. No dia seguinte, seguem os esclarecimentos sobre o ocorrido na audiência: Sebastião Carneiro da Fontoura havia se declarado apenas como impressor do jornal; o responsável iria apresentar o respectivo autógrafo e Isidoro Paulo de Oliveira não pôde, porém, entregá-lo por ser estrangeiro e por não conter uma declaração de editor. No decorrer da audiência, Isidoro reapareceu trazendo o autógrafo legalizado que, no entanto, é desqualificado pelo Brado do Sul por haver indícios de sua falsidade.

O Brado ainda acusa O Noticiador de valer-se de um papel assinado em branco por André Luiz Chagas, em 1857, o que acarretaria a não validação legal dessa assinatura; assim caberia, então, provar que o "A pedido", que insultava Koseritz, foi publicado muito depois daquela assinatura. Há, no acervo do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, alguns processos judiciais de que Koseritz tomou parte como vítima e Sebastião Carneiro da Fontoura como réu, no ano de 1860 na cidade de Pelotas. Localizamos anexado ao processo um exemplar do jornal O Noticiador, no qual háacusações de plágio na composição dos dramas de Koseritz, pois segundo o periódico o alemão cometeu oitenta erros em quarenta linhas e, por isso, não pode se denominar escritor público. Encontramos também o polêmico "A pedido" que gerou a indignação do Brado:

Em resposta as calúnias com que o Sr. de Koseritz pretendeu enxovalhar-me na Pacotilha; como represália ao desprezo que voto ao miserável plagiário, resta-me a satisfação de que esse infame rabiscador não é capaz de provar perante a justiça o que a meu respeito inventou, assim como eu vou provar diante de todo o mundo que o coitado do Koseritz é um plagiário, um Quixote [palavra ininteligível], tanto no físico como no moral.

Isidoro Paulo da Fonseca

(O NOTICIADOR, 25 fev. 1860, p. 3)

Nos dias 2 e 5 de março, o Brado segue acusando O Noticiador de falsidade ideológica, cobrando uma punição das autoridades que, para o responsável pelo periódico, foram enxovalhadas perante uma falsificação tão grosseira. Há, na edição do dia 5, um esclarecimento de que Koseritz processou, pelo crime de injúria, Sebastião Carneiro da Fontoura, por não haver outro responsável pelo jornal, solicitando pena máxima de prisão.

Ao confrontarmos os dados do jornal com os do processo, verificamos que o réu é realmente o impressor e não Isidoro Paulo da Fonseca. Notamos, através da leitura dos números subsequentes a essa polêmica, que o problema entre os dois periódicos era político, uma vez que O Noticiador e o Brado manifestavam posições contrárias relacionadas aos problemas locais, sendo que algumas autoridades eram ofendidas por um jornal e defendidas pelo outro. Mesmo após o processo, as acusações de plágio continuam, pois o Brado defende-se, em 17 de março, de acusações proferidas no periódico adversário.

Koseritz é alvo de acusações também do jornal Diário do Rio Grande, do ano de 1860, pois o periódico rio-grandino transcreve artigos do Diário de Pelotas e do O Noticiador como, por exemplo, na seção "A pedido" dos dias 22, 26 e 29 de fevereiro, onde o autor alemão é denominado o "Dom Quixote do jornalismo", sendo ainda ameaçado, pois "como um potro feroz, é certo, não pode um homem brigar; mas nada o impede de atracar-lhe as chilenas, e meter-lhe o relho, até pô-lo em estado de levar freio e suportar arreios. É o que faremos" (DIÁRIO DE PELOTAS apud DIÁRIO DO RIO GRANDE, 22 fev. 1860, p. 2). Ainda no Diário do Rio Grande, Koseritz é acusado de não ser nem escritor de teatro, sendo apenas um plagiário da Revista Teatral, nem crítico de teatro, apenas um charlatão (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 26 fev. 1860, p. 2).

As discussões entre O Brado do Sul e O Noticiador continuam, mas de forma mais controlada, a partir de artigos de cunho político e não com ofensas pessoais, como ocorre, por exemplo, nos dias 16 e 17 de junho de 1860, sem envolvimento do nome de Koseritz e sem nenhuma menção ao desdobramento do processo. A única informação nova é que O Noticiador troca de editor, mas seu nome não é exposto. Nos artigos que encontramos, vemos um forte cunho liberal e críticas aos jornais que defendem o partido dominante como O Noticiador e o Diário do Rio Grande.

Justifica-se, assim, o fato do jornalista, talvez por sentir-se acuado perante todas as ameaças e ofensas que sofria diariamente em Pelotas, mudar-se para Rio Grande e passar a redigir a gazeta liberal Eco do Sul, atuando como professor do Colégio Thibaut e, posteriormente, sendo diretor de sua própria escola. Segundo Oberacker Jr. é em Rio Grande que principiam os "anos de luta pela situação social e pelo êxito" (1961, p. 23, 24).

Em 1862, "se encarrega de fazer quaisquer traduções dos idiomas alemão, inglês, francês e italiano para a língua vernácula" (ECO DO SUL, 1º fev. 1862). Também traduz novelas para serem publicadas como folhetim para o jornal Eco do Sul. No mesmo periódico publica uma série de artigos intitulada "Sobre Instrução", no período de 5 de fevereiro a 13 de março de 1862, nos quais fala de reformas na instrução, escrevendo com interesse "no país e no seu futuro", pois "o futuro do nosso, como detodos os povos depende do desenvolvimento da Instrução, que é sacerdotisa da civilização" (ECO DO SUL, 5 fev. 1862, p. 1). Ressalta-se nesses textos o intuito de contribuir para o desenvolvimento do país, pois os artigos correspondem a um programa de ensino a ser adotado tanto em escolas públicas quanto em particulares, abordando o papel do professor e dos pais de família, ou seja, os homens, que, segundo o autor, muitas vezes contribuem para a degradação da instrução por sua condescendência à vontade dos filhos, assim como trata do regime dos colégios e da divisão das matérias de ensino, e acerca das habilidades que julga importantes serem desenvolvidas nos alunos.

O jornalista publica um "estudo histórico", intitulado O Jacobino, na "Sessão de variedades" do jornal Eco do Sul, de 16 de março de 1862, no qual descreve os jacobinos da França, criticando-os, manifestando um posicionamento irônico, quando afirma que essa raça "preciosa sem dúvida e mil vezes melhor que qualquer canina da Escócia e da Dinamarca, ou a germânica" (ECO DO SUL, 16 mar. 1862, p. 1), palavras essas que se aproximam do que nos diz Guilhermino Cesar, quando trata de sua "preocupação de renovar os padrões dominantes, em matéria de arte e ciência, pelo combate ao predomínio do pensamento francês" (CESAR, 1960, p. 180), ou ainda de seu próprio posicionamento posterior em relação aos jesuítas.
No exemplar de 22 de fevereiro, do mesmo jornal, encontramos um anúncio de que Koseritz "dá lições de escrituração mercantil por partidas dobradas, sob condições favoráveis" (ECO DO SUL, 22 fev. 1862, p. 3), aulas que ministrava em sua casa e no Colégio São Pedro, anúncio que evidencia que o alemão exercia várias funções, a fim de subsistir, em Rio Grande.

Das suas obras, o projeto já resgatou Um drama no mar, Laura: também um perfil de mulher e A donzela de Veneza. Não há indicações da existência de exemplares dos outros textos em prosa publicados em Rio Grande e Pelotas. De sua autoria no extremo sul gaúcho, ainda estão desaparecidos os dramas Clara e Inês, além das traduções dos romances O fantasma e O lobo, ambas de Victor Hugo e indicadas por Ari Martins (p. 294).

A novela Um drama no mar foi localizada em pesquisas na Biblioteca Rio- Grandense (Rio Grande – RS), primeiramente em formato de folhetim no jornal Eco do Sul, publicado no período de 11 de outubro a 4 de novembro de 186248, com autoria atribuída ao pseudônimo X. Y. Z. Através de novas buscas na mesma biblioteca, encontrou-se um exemplar de uma novela homônima, sem capa e, portanto, sem indicação de autor, data ou local de publicação, mas, no entanto, com texto igual ao folhetim publicado no Eco do Sul em 1862.


A autoria dos textos é, portanto, atribuída a Carlos de Koseritz por dois motivos: por ser o autor um dos colaboradores do jornal Eco do Sul e, principalmente, por um anúncio publicado no mesmo jornal, em 18 de abril de 1863, divulgando a venda da novela de mesmo título e com a autoria conferida ao jornalista. Conforme nota ao final desse volume, a narrativa baseia-se numa tragédia ocorrida em praias gaúchas, no ano de 1862, esclarecendo que as ações do personagem Elisandro Moriby foram baseadas nos assassinatos realizados por Ferdinando Petrina e menciona, ainda, a sua execução no dia 30 de dezembro de 1862, fato confirmado por um site em língua inglesa, que esclarece, além da data de execução, o motivo: assassinato em alto-mar. Outro dado que corrobora a ocorrência verídica desse "drama no mar" é uma justificativa à publicação do folhetim que foi encontrada no jornal Eco do Sul, após a exposição do primeiro capítulo.

O romance Laura: também um perfil de mulher foi publicado em Rio Grande, no ano de 1875 e reeditado em Porto Alegre, no ano de 1887. Localizamos, em nossas pesquisas, dois exemplares dessa obra: um volume da primeira edição, na Biblioteca Rio-Grandense e um volume da segunda edição, na Biblioteca da Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre-RS), exemplar recebido em doação, após a morte de Júlio Petersen (1918-2002).
O volume encontrado na Biblioteca Rio-Grandense conseguiu permanecer distante dos pesquisadores nas últimas décadas por não estar catalogado, já que estava encadernado ao final de um livro didático (Compêndio de Geografia, de Thibaut), sendo encontrado nas pesquisas sobre os livros publicados na cidade de Rio Grande realizado no projeto de pesquisa "Dicionário de autores de Rio Grande no século XIX".

No início de 2013, essa obra nos foi cedida pelo professor Luis Borges. Para maiores informações a respeito da mesma, consultar: BORGES, Luis. Breviário da prosa romanesca em Pelotas. Subsídios para uma história literária. Vol. 1. Pelotas: JC Alfarrábios, 2007.

As polêmicas não cessam com a vinda para Rio Grande. Na edição do Eco do Sul, de 28 de setembro de 1862, na sessão "Ao público", por exemplo, Koseritz defende-se de acusações acerca de sua responsabilidade pelos escritos no jornal, já que por ser estrangeiro não podia ser redator do periódico. No Diário do Rio Grande, de 8 de novembro de 1863, na sessão "A pedido", Koseritz é acusado por Querubim Correa de Araújo de corromper a juventude em seu colégio Ateneu Rio-Grandense, pois, segundo Querubim, seu filho de 10 anos, de nome Milibio, foi "no dia 6, infamemente violentado pelo SEU PRÓPRIO MESTRE, o referido Sr. Carlos de Koseritz". O mestre teria praticado com o menino atos "ignóbeis e infames, que o respeito ao público manda calar, mas que os homens sensatos bem saberão compreendê-los!" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 8 nov. 1863, p. 3).
O denunciante justifica que não deu queixa na polícia devido ao fato de ser conhecido na cidade e vem ao jornal tornar público o caso para pedir, para o diretor da instrução primária e para as demais autoridades, que "seja punido esse monstro a bem da moralidade pública”, solicitando “justiça, e só justiça" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 8 nov. 1863, p. 3). O acusador ainda afirma que não seria difícil encontrar testemunhas entre os alunos de Koseritz, deixando subentendido que o fato se estendia a outras crianças também. O Comercial, de 8 de novembro, publica a notícia “Imoralidade e perversão”, na qual relata as acusações de pederastia e afirma que Koseritz não conseguiu frear "seus desejos libidinosos e forçou, ao que nos dizem, um menino filho do Sr. Querubim Correa de Araújo que é seu discípulo" (O COMERCIAL, 8 nov. 1863, p. 1).

No Diário, do dia 9 e 10 de novembro de 1863, na sessão "Rio Grande", há o esclarecimento de que as autoridades escolares já estavam processando Koseritz pelo crime de sodomia, a vítima já havia sido interrogada e tinha apontado novas vítimas, que também inquiridas tudo confessaram (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 9-10 nov. 1863, p. 1); após os depoimentos, o responsável pela instrução pública já havia mandado fechar o colégio Ateneu Rio-Grandense. Koseritz, no jornal Eco do Sul, de 10 de novembro, defende-se, na sessão "A Pedido", com o seguinte apelo:

Urdiu-se contra mim uma intriga tão grave, que de momento é impossível destruí-la, porque um juiz, meu inimigo pessoal, espontaneamente tomou conhecimento do fato, e cortou-me os meios de justificar-me perante autoridade imparcial. Resta-me pedir ao público, que suspenda o seu juízo a respeito deste fato, até que eu tenha destruído a trama infame que contra mim foi urdida para o que disponho de todos os elementos, logo que tenha de haver-me com um juiz imparcial e alheio ao trabalho de que sou vítima.
Rio Grande, 9 de Novembro de 1863.
Carlos de Koseritz


No dia seguinte, vemos novos esclarecimentos acerca do processo na mesma sessão do Diário do Rio Grande: haviam sido inquiridos mais dois alunos que confirmaram tudo o que disseram os outros três meninos, e o processo "já tem matéria que horroriza" e, por esses motivos, o jornalista afirma compreender a razão de ter sido Koseritz "expulso do colégio Thibaut" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 11 nov. 1863, p. 1). O Diário, em 13 de novembro de 1863, tece novas críticas ao jornal Eco do Sul, porém esclarece que "não se trata de questão de imprensa com o Eco", pois o fim de suas publicações era que "seja apedrejado pela opinião pública o professor pederasta, como homem indigno de viver entre nós" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 13 nov. 1863, p. 1).

Ainda no Diário do Rio Grande, do dia 12 de novembro de 1863, na sessão "Rio Grande", encontramos acusações de ser Koseritz um praticante de "atos de SODOMIA" denominando-o um pederasta, que degradava inocentes e, ainda, em tons irônicos há a seguinte pergunta: "quem sabe não gostou da expressão por ser feminina?" (DIÁRIO
DO RIO GRANDE, 12 nov. 1863, p. 1). No Comercial do mesmo dia, na sessão "Notícias Diversas", Koseritz é denunciado por não estar cumprindo a ordem de fechar o seu estabelecimento, tendo ministrado aula a poucos discípulos nos dias anteriores.

Após um mês da última publicação, no jornal dos dias 21 e 22 de dezembro de 1863, há a informação de que depois das acusações sofridas e do processo ao qual estava submetido, Koseritz "foi domingo próximo passado o primeiro dia que esse homem apareceu em lugar público, indo com a mulher até o Tivolly de Mr. Bernardo" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 21-22 dez. 1863, p. 1), sofrendo na saída do estabelecimento um ataque:

Ao retirar-se [do local], porém, foi ele apupado por um grande número de moleques, que há muito o trazem debaixo de vista, e o levaram a pedradas até a casa do escrivão da coletoria, onde se refugiou Koseritz das fúrias da molecada, que parecia disposta enfiá-lo
pela própria casa a dentro. (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 21-22 dez. 1863, p. 1)

 

O Diário defende, no jornal do dia 23 de dezembro, o delegado de polícia Henrique Bernardino Lopes Canarim das acusações do jornal Eco do Sul, de ter sido ele o mandante do ataque sofrido por Koseritz. O Diário considera os meninos, que apedrejaram o alemão, heróis e afirma terem sido eles alunos de Koseritz e, por isso, o teriam atacado. O fato foi considerado uma "brincadeira de crianças, em represália ao infame proceder daquela para com os seus alunos", brincadeira essa que "deu no gosto de toda a população na cidade do Rio Grande" (DIÁRIO DO RIO GRANDE, 23 dez. 1863, p. 1). Aspecto interessante é que, no dia 19 de novembro, o jornal O Comercial denuncia que Koseritz haveria fugido um dia antes do julgamento do processo, anteriormente, então, às notícias de sua presença em local público e do ataque. Teria o alemão fugido e depois retornado, retardando assim o julgamento?

As “lutas locais” agravam-se e é “alvo de terríveis acusações” (CARNEIRO, 1959, p. 19), como a acusação de que transgredir a juventude em seu colégio o Ateneu Rio- Grandense e, talvez por isso, parte para Porto Alegre, em 1864, assumindo a direção da folha alemã Deutsche Zeitung, em 2 de julho do mesmo ano (OBERACKER JR., 1961, p. 25). Em Porto Alegre, Koseritz consolida-se como jornalista, é eleito deputado provincial, trava a luta a favor dos imigrantes e, além disso, o seu trabalho na Gazeta de Porto Alegre, a partir de 1879, faz tanto sucesso que coloca o alemão "entre os primeiros jornalistas de todo o país", pois "a Gazeta era lida em todo o Império" e "o próprio Imperador passava-lhe a vista regularmente" (OBERACKER JR., 1961, p. 30).
Como diz Oberacker Jr. (1961), "é indiscutível que Koseritz foi o maior propagandista e disseminador do pensamento alemão e do patrimônio cultural alemão entre os brasileiros" (OBERACKER JR., 1961, p. 30). Além disso, seu papel na propagação do germanismo e na divulgação de teorias que, para o alemão, eram fundamentais para o desenvolvimento do Brasil.
Aspecto importante e, entretanto, pouco citado pelos biógrafos de Koseritz, consiste na sua atuação como advogado na Associação Teuta de Proteção Jurídica Deutscher Rechtsschutzverein, mesmo sem possuir formação acadêmica (GANS, 2004,p. 135). Além disso, é interessante salientar que, apesar das acusações que sofreu em Rio Grande, atua como professor, o que fica evidente em um anúncio do jornal A Ordem de 1865.

A mudança, porém, não apaga a ligação de Koseritz com as cidades de Rio Grande e Pelotas, tanto que em 1875 publica, na primeira, o romance Laura: também um perfil de mulher e um prefácio para a tradução das poesias de Goethe e Schiller, realizada pelo pelotense Bernardo Taveira Júnior, publicadas pela tipografia do jornal redigido pelo alemão, o Deutsche Zeitung, no qual justifica a razão de escrever a introdução: a amizade entre ele e Bernardo, pois é devido a ela que o "prosaico lidador da imprensa política, o escritor que há muito renunciou aos enlevos da poesia, vem apresentar ao público um livro de versos" (KOSERITZ, 1875, p. 4). E, nesse texto introdutório, há laivos de seu germanismo, visto que o prefaciador exalta a literatura e a língua alemã, critica as traduções de Goethe e Schiller para o francês e ainda afirma ser o idioma português o mais próprio para interpretar a poesia alemã; e, unindo o seu orgulho da pátria de origem ao seu intuito de contribuir para o progresso das letras da pátria adotiva.

Essa ligação também está presente numa crítica que escreveu, em 1881, à obra da poetisa Clarinda Siqueira, publicada em uma espécie de posfácio às suas Poesias (1881), reunidas e publicadas postumamente. O alemão acentua a relação de intimidade que teve com a poetisa, como podemos perceber pela dedicatória de sua novela Um drama no mar a Clarinda, uma vez que ela era amiga íntima de sua mulher e, além disso, ressalta que acompanhou a amiga durante muitos anos "em todas as suas produções, em todos os seus trabalhos, em seus imensos sofrimentos" (KOSERITZ, 1881, p. 133).

O alemão permanece em Porto Alegre até a sua morte, em 30 de maio de 1890. Koseritz, em meio à iminência da proclamação da república, por ser um monarquista convicto, por ser diretor de um periódico liberal e por ser um mentor intelectual de brasileiros e alemães encontrava-se em constante risco de ser preso e expulso do país. Não obstante, caracteriza-se como um crítico feroz do positivismo, visto que, como nos diz Magda Gans, "suas críticas em plena época de ascensão dos republicanos positivistas, custaram-lhe a perseguição, fatal, pelo novo regime em 1890" (GANS, 2004, p. 139). Consciente do perigo que corria e sabendo que seus esforços contra o fato eram inúteis, o jornalista retirou-se para Pedras Brancas. Lá, em 14 de maio, "por instigação de seus opositores republicanos, foi preso sem motivo algum plausível, e conservado em custódia, em permanente perigo de vida, durante oito dias" (OBERACKER JR., 1961, p. 30), sendo liberado depois de alguns dias, após inúmeros protestos de amigos e, talvez pelos transtornos que sofreu, é acometido por um ataque cardíaco.

Koseritz continuou sendo uma figura representativa dos imigrantes alemães do século XIX após a sua morte, bem como permaneceu sendo considerado um grande intelectual do período, como fica evidente na tese defendida por Ferdinand Schröder, em Berlim, em 1931, traduzida em 2003 para o português. A sua importância justifica-se,
não apenas pelas duas biografias que datam da metade do século XX, mas também pelo grande número de republicações de textos seus: no Almanaque literário, de 1901, encontramos uma biografia de José de Oliveira Bueno escrita por Koseritz em 1868, bem como localizamos, na Revista Província de São Pedro, republicações de artigos do alemão em 1948 e em 1957 e na coletânea mais recente de René Gertz, publicada em 1999.
Além disso, Koseritz é lembrado por historiadores da literatura, como Guilhermino Cesar (1956), e da cultura, como Jean Roche (1969) e Magda Gans (2004), que analisam o papel do imigrante alemão no Rio Grande do Sul, assim como, mais recentemente, Imgart Grützmann (2007) que analisa o papel do intelectual alemão no estado. Outro fato que corrobora a fama pós-morte de Koseritz é a utilização de sua figura como personagem de ficção em romances históricos como O tempo e o Vento, de Érico Veríssimo e Videiras de cristal, de Luis Antonio de Assis Brasil e ainda em obra recente, publicada em 2010, D. Pedro II e o jornalista Koseritz, de Regina Gonçalves e Regis L. A. Rosa.


OBRAS LOCAIS

Resumo da História Universal. Pelotas: Tipografia de Luis José de Campos, 1856.

A donzela de Veneza. Pelotas: Tipografia Comercial, 1859.

A véspera da batalha. Pelotas: s/ ed., [1859].

Um drama no mar. Folhetim publicado no jornal Eco do Sul entre 11 out. a 4 nov. 1862.

Um drama no mar . Rio Grande: Tip. do Eco do Sul, 1863

Laura, um perfil de mulher. 1ª edição. Rio Grande: J. J. R. da Silva, 1875.

Laura, um perfil de mulher. 2ª edição. Porto Alegre: Livraria Americana, 1887.

 

TRADUÇÕES LOCAIS

EDGEWORTH, Maria (1767-1849). Um credor. Folhetim publicado no jornal Eco do Sul entre 4 fev. a 22 abr. 1862.

 

FONTES

MELLO, Juliane Cardozo de. Carlos de Koseritz: reiluminando sua biografia e suas obras românticas esquecidas. 2013 Dissertação (Mestrado em História da Literatura) Instituto de Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013.

MELLO, Juliane Cardozo de. Um drama no mar: uma face desconhecida de Koseritz. Mafuá, Florianópolis, ano 8, n. 13, março 2010. Disponível em http://www.mafua.ufsc.br/numero13/ensaios/juliane.htm. Acesso em 19 jun. 2011.

MELLO, Juliane Cardozo de. Um drama no mar: tragédia marítima ocorrida em nossas praias retratada naficção por Carlos von Koseritz. XIII Ciclo de conferências históricas, 2010, Rio Grande.Anais do XIII Ciclo de Conferências históricas. Rio Grande: Universidade Federal do RioGrande, 2010. v. 1. p. 923-933. Disponível em: <http://issuu.com/pluscomeditora/docs/anais_impressos>. Acesso em: 19 nov. 2011.

MELLO, Juliane Cardozo de. O resgate da ficção romântica de Carlos Koseritz.  Anales del I Encuentro internacional del conocimiento: diálogos en nuestra América / I Encuentro de las Ciencias Humanas y Tecnológicas para la Integración en el Conosur, 5, 6, e 7 de mayo 2011, Pelotas, Brasil – Pelotas (RS): Instituto Federal Sul-rio-grandense/IFSul, 2011. – v.1, 2011. - 1 CD-ROM.

MELLO, Juliane Cardozo de. Koseritz e a tradução da novela um credor de Maria de Edgeworth. Colóquio de Estudos Literários: cenários do debate em crítica, história e teoria literárias. Universidade Federal do Rio Grande, 2011.

MELLO, Juliane Cardozo de. Carlos de Koseritz: vida e obra reiluminados através dos periódicos.  II Colóquio Internacional de estudos linguísticos e literários. Maringá: Anais do II Colóquio Internacional de estudos linguísticos e literários. Disponível em: <http://anais2012.cielli.com.br/pdf_trabalhos/1656_arq_1.pdf> Acesso em: 10 jun. 2013.

MELLO, Juliane Cardozo de. Um drama no mar e Laura: a ficção romântica de Carlos de Koseritz. Escola São Paulo de estudos avançados sobre a globalização da cultura no século XIX. Disponível em: <http://www.espea.iel.unicamp.br/index.php?lang=pt-br> Acesso em: 14 jun. 2013.



 

 

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